O fluxo da vida


Idarci Esteves

Tenho reparado uma coisa de uns dias para cá: estou repetindo gestos de minha mãe. Muitas vezes ouvi falar e já li a esse respeito, que os filhos acabam repetindo gestos, modos de falar, tom de voz dos pais. As filhas, essas então, tornam-se cópias fiéis.

Imagine que eu estava sentada na sala de jantar de meu apartamento, distraída e, de repente, comecei a bater quatro dedos na mesa, um após o outro, num ritmo de tum tum tum. Esse era um movimento típico de minha mãe quando estava distraída ou quando estava nervosa, tensa, querendo falar alguma coisa difícil e ainda não tinha arrumado o jeito de começar.

Como se fosse um fundo musical, o tum tum tum na mesa revelava logo: se fosse fraco, seus pensamentos estavam leves; mas, se batesse mais ritmado e forte, como se a mesa fosse um tambor, podia-se preparar a alma, o coração, os ouvidos que lá vinham sermão ou problemas.

E não é que eu estava procurando a melhor maneira de iniciar uma conversa com meu marido a respeito de um dos filhos, quando comecei a fazer o tum tum tum nervoso, antecipando a comunicação.

A mãe de minha mãe – falo assim para comprovar a repetição – andava devagarinho, passinhos miúdos, sem fazer barulho. Esticava os braços na frente do corpo, cruzava - os de modo a fazer com que as costas de uma mão fosse acariciada pela palma da outra. Na sua timidez, era sempre assim que conversava, fosse com quem fosse.

Aí então, eu reparei que minha mãe também colocava os braços e as mãos na mesma posição. E não é que eu também?

E quantas vezes mamãe me assustava ao chegar por trás de mansinho, sem fazer barulho. Isso me deixava muito irritada.

Estou aqui pensando, se chegará um tempo em que eu também, sem perceber, me tornarei leve, passinhos miúdos, sem fazer barulho, me aproximarei de meus filhos pregando susto neles, deixando-os irritados.

Há poucos dias minha filha me disse: – Mamãe, sabe o que venho reparando? Estou ficando parecida com você. Minha letra está ficando igual a sua e, às vezes, falo do mesmo jeito que você.

Oh! Vida que roda e rola!

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Idarci E. Lasmar

E-mail: idesteves@terra.com.br

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